Rabino Schlesinger escreve sobre a relação de Odilo Scherer com os judeus

Michel Schlesinger é rabino da Congregação Israelita Paulista, coordenador judeu da Comissão Nacional de Diálogo Católico-Judaico da Comissão Nacional dos Bispos do Brasil e representante da Confederação Israelita do Brasil para o diálogo inter-religioso. Leia abaixo texto em que ele analisa as possíveis consequências para a comunidade judaica em caso de escolha de dom Odilo Scherer para papa.



“Minha possibilidade de avaliar as chances do cardeal arcebispo de São Paulo, dom Odilo Pedro Scherer, tornar-se o próximo papa são limitadas. Não possuo qualquer informação privilegiada além daquelas expostas diariamente nas mídias impressa e eletrônica. Como estas consideram bastante provável a vitória do cardeal Odilo, tenho questionado sobre quais seriam as possíveis consequências de sua vitória para a comunidade judaica.



Desde que assumiu a arquidiocese de São Paulo, pude conviver muito próximo ao candidato a bispo do Vaticano. Em 2008, realizamos juntos uma viagem à Cidade do México, a convite do Conselho Episcopal Latino Americano (Celam) e o Congresso Judaico Latino Americano junto com dom Raymundo Damasceno de Assis. 



Em 2009, a convite da Confederação Israelita do Brasil (Conib), ele esteve na Congregação Beit Yaacov para recordar as vítimas do Holocausto. Por diversas vezes, Odilo aceitou nosso convite para estar na Congregação Israelita Paulista (CIP) por ocasião de diferentes encontros e celebrações. Merecem destaque a visita que o cardeal realizou na noite do Kol Nidrei (início das celebrações do Iom Kipur, o Dia do Perdão, data mais sagrado do calendário judaico) em 2010 e sua presença no Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto, em janeiro de 2013. 



Além disso, Scherer esteve em um evento beneficente promovido pela CIP na Sala São Paulo onde a Filarmônica de Israel, sob a regência do maestro indiano Zubin Mehta, se apresentou em 2011. No mesmo ano, a convite do Congresso Judaico Latino-Americano (CJL), o cardeal participou de uma conversa informal no clube A Hebraica com o grupo Novas Gerações daquele organismo.



Foram também diversas as ocasiões em que o cardeal Odilo nos recebeu na Catedral Metropolitana e em outras instituições da Igreja Católica Paulistana. Certa vez, ele nos chamou para um jantar no Mosteiro de São Bento. Por se tratar da semana de Pessach, celebração da recordação da travessia do Mar Vermelho depois da escravidão dos Israelitas no Egito, recusamos o convite alegando que nossa alimentação kasher (ritualmente apropriada para o judaísmo) era ainda mais restritiva naquela época. O cardeal nos assegurou de que todas as providências tinham sido tomadas. Quando chegamos ao mosteiro, junto com representantes da Federação Israelita do Estado de São Paulo, ficamos surpresos ao constatar que um serviço de buffet kasher havia sido contratado em consideração à nossa pequena delegação. 



Recentemente, também participamos de uma comemoração pelo cinquentenário do início do Concílio Vaticano Segundo, que reaproximou católicos de judeus depois de séculos de abismo, no aniversário de São Paulo em uma catedral metropolitana lotada. Na mesma ocasião, uma homenagem à memória de Anne Frank, jovem que se refugiou e acabou perecendo na Europa nazifascista, foi prestada.



Embora não possa prever o desfecho do conclave, a relação que o cardeal arcebispo de São Paulo teve com a comunidade judaica paulistana me autoriza a acreditar que as relações entre o Vaticano e seus “irmãos mais velhos na fé”, como gostava de nos chamar João Paulo II, atingiria um nível de aproximação inédito. Ao amigo Odilo, saiba que nossas orações estão com você.

A partir da esquerda: Jack Terpins, presidente do CJL; Odilo Scherer e Michel Schlesinger, durante encontro em 2011. Foto: CJL.